GRUPOS DE TRABALHOS


“Nós somos os donos”: conflitos socioambientais entre os índios Pipipã de Kambixuru e o ICMBIO no sertão de Pernambuco

O estabelecimento de Unidades de Conservação, caracterizadas, majoritariamente, pelo estabelecimento de posturas políticas “top-down”, gera vários conflitos entre os sujeitos envolvidos. Quando nos referimos às unidades de “proteção integral”, na qual a presença humana não é permitida, nos confrontamos com uma percepção, posta como antagônica, na qual os seres humanos seriam “destruidores” de uma “ordem natural” que deve ser conservada. Esta pesquisa (como parte de tese de doutoramento) se deteve aos conflitos gerados pela sobreposição de uma Terra Indígena com uma Reserva Biológica (REBIO) no sertão do Estado de Pernambuco. O grupo indígena Pipipã de Kambixuru, reivindica acesso ao seu lugar mais sagrado, a Serra Negra, para a execução anual do ritual do Auricuri. Procurando seguir os conflitos (e as respectivas relações de poder) suscitados, bem como os fluxos que os compõem, a pesquisa consistiu em entrevistas com índios Pipipã e funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), bem como um levantamento histórico em documentos que remontam a meados do século XVIII, no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE), no Estado de Pernambuco. A permissão para acompanhar o ritual do Auricuri, favoreceu a vivência de conflitos iminentes. Tais incursões revelaram um processo histórico que remonta ao ano de 1760, época na qual bandeiras eram organizadas para combaterem os povos “bárbaros”, “gentios” e “pagãos” que viviam “embrenhados nos sertões da Serra Negra”, não aceitando o aldeamento e as práticas agrícolas, insistindo nas atividades de caça e coleta de mel. Durante o governo de Getúlio Vargas, a Serra Negra passou a ser considerada como Floresta Protetora, obtendo considerações semelhantes, anos depois, durante o governo do João Batista Figueiredo. Com o advento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Serra Negra passa a ter o status jurídico de REBIO. Seja através do incentivo da pecuária (ocupando-se a Serra Negra com criação de não-índios), das plantações de algodão (ocasionando amplo desmatamento, incentivado através de políticas setoriais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste- SUDENE) e do corte autorizado de espécies vegetais da caatinga para a venda da madeira, a ação dos governos (municipais, estaduais e federais), ao longo dos anos, consistiu basicamente na supressão dos direitos desses povos emergentes (e resistentes). As relações de poder, legitimadas através de um “discurso científico”, revelam as possíveis ambiguidades de uma conservação da biodiversidade, em uma região onde a supressão de direitos originários, inclusive, também é afetada pelo Eixo Leste do Projeto de Integração do rio São Francisco. As considerações tecidas neste trabalho revelam, por ora, a disparidade de apropriações territoriais, percebendo-se uma “razão instrumental” do Estado entrando em conflito com uma “razão histórica” dos índios.

Expositores: Nivaldo Aureliano Léo Neto (UFPB)